O pânico impedia o menino de dormir na noite anterior ao início da campanha de vacinação. Sua mãe tentava inutilmente acalmá-lo, dizendo não haver motivo para ter medo, que a vacina era somente um remedinho para matar os bichinhos que podiam deixá-lo doente. Nada adiantava. Nenhum argumento demovia o pavor dos olhos do menino. Finalmente, com o passar das horas e o avanço da madrugada, o sono o alcançou. Sua mãe deixou o quarto e foi se deitar. No outro dia, ela queria chegar cedo ao campus de Manguinhos, onde aconteceria mais uma edição do Fiocruz para Você.
- Oi, menino.
- Oi. Quem é você?
- Eu sou o Zé Gotinha.
- Zé Gotinha?
- Sim. Esse é o meu nome.
- Que nome engraçado.
- Sabia que foi uma criança igual a você que me deu esse nome.
- É mesmo?
- Sim, foi em novembro de 1987. Meu papai tinha me criado no ano anterior, mas eu ainda não tinha nome.
- Você ficou um ano sem nome?
- Fizeram um concurso com todas as crianças do Brasil para escolherem um nome para mim. E ganhou o Zé Gotinha. Você gosta desse nome?
- Gosto. É engraçado. E você lembra mesmo uma gotinha. Por que você está aqui no meu quarto?
- É porque eu soube que você está com medo de tomar vacina.
- Estou sim. Muito medo. Vai doer e me fazer chorar.
- Vou contar uma coisa. Antigamente, as crianças tinham medo de tomar vacina. A fila da vacina era de dar pena. Uma choradeira só. Eu nasci para mostrar aos pequenos que a vacina não é ruim. Não dói nada e evita que a gente fique doente.
- Mas eu não quero tomar vacina.
- Eu sei que ninguém gosta de tomar remédio, mas também ninguém gosta de ficar doente. Não é verdade?
- É.
- Vamos fazer um trato. Amanhã, eu também estarei na Fiocruz para ajudar a vacinar as crianças. Eu estarei ao seu lado quando você receber a dose de vacina. Se doer, eu prometo que também tomo uma vacina. Agora, se não doer você me promete que vai obedecer a sua mãe e sempre tomar as vacinas. Pode ser?
- Não sei. Eu estou com muito medo.
- Você sabia que na Fiocruz tem um castelo bem grandão?
- Um castelo?
- Sim, um castelo do príncipe corajoso. Eu prometo levar você para conhecer o castelo depois da vacina. Você gosta de castelo?
- Sim, eu adoro castelo. Combinado. Eu tomo a vacina e depois vamos no castelo.
- Ah, garoto corajoso esse. Até amanhã.
- Até amanhã, Zé Gotinha.
No outro dia, quando a mãe se levantou, o menino já estava acordado e todo arrumado para sair. Na cabeça, ele usava uma coroa de plástico que havia ganho de aniversário.
- Vamos logo mamãe. Quero me vacinar.
A mãe não entende o que aconteceu para o menino perder o medo.
- Vamos sim. Em cinco minutos saímos. O que houve com aquele menino medroso de ontem?
- Ele não existe mais mamãe. O meu amigo Zé Gotinha disse que eu não preciso ter medo.
- E essa coroa na cabeça?
- É que agora eu sou o príncipe corajoso do castelo. * Por Eduardo Müller
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