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Entrevista: Andréa Queli Veloso (Creche Fiocruz)

Foto do escritor: Ascom/CogepeAscom/Cogepe

Andréa Queli dos Santos Veloso, 48 anos, pedagoga, analista gestão e educação, há 28 anos na Creche Fiocruz.


Ascom Cogepe (AC): Maria Traça é uma boneca ou uma criança?


Andréa Veloso (AV): Nossa... essa pergunta em muito nos toca... é... acho que precisamos falar sobre isso – Maria Traça e eu (Andréa) – risos – e podemos dizer que ela é uma boneca que tem bochechas rosadas, cabelo vermelho, todo encaracolado, usa uns óculos com laços e fala muito! Sim, ela é uma boneca!


AC: Essa definição é clara? Como e quando ela foi criada?


AV: Nunca tinha parado para pensar mais a fundo sobre essa questão até que outro dia fui surpreendida por uma criança na creche, que ao me avistar com os óculos da Maria Traça, logo me perguntou por que estava com eles e expliquei que ela havia me emprestado até o meu chegar. E a criança continuou: “- então ela existe?!” e naquele momento, respondi que sim e depois fiquei pensando se essa afirmativa seria verdadeira. E concluí que sim! Maria Traça existe. Ela não é a Andréa, ela faz parte do imaginário e não só infantil, ela está inserida em um cotidiano que acredita no lúdico, que reconhece a importância do imaginário para que possamos compreender o mundo e buscar formas de lidarmos com ele. E posso dizer que Maria Traça existe porque o educador de educação infantil, para tocar suas crianças, também precisa ser tocado por um universo que o possibilite brincar, cantar, experimentar, investigar, inventar, sonhar... e Maria Traça consegue fazer com que experimentemos todas essas sensações e sem perder a noção do mundo real, mas ao mesmo tempo de nos possibilitar entrar no mundo da fantasia a qualquer momento, falar dos nossos sentimentos, de nos sentirmos amiga de alguém tão falante e ao mesmo tempo carismática sem nos importarmos com idade, pois é notório que essa personagem que com a pandemia – momento que nos trouxe tantas perdas –, teve a oportunidade de retornar para a creche. Maria Traça foi criada há 15 anos. Naquela época eu trabalhava na Creche Fiocruz do IFF e a criei para uma atividade pontual, na qual ela contracenou com a personagem da Menina Bonita do Laço de Fita de Ana Maria Machado e diante do encantamento das crianças, conclui que ela não poderia deixar de retornar outras vezes. Assim, criei o projeto “Brincando e aprendendo com Maria Traça”.


AC: De onde vem sua inspiração para compô-la? A personagem já existia no cotidiano da Creche?


AV: Todas as inspirações para compor essa personagem vêm das experiências infantis, da necessidade de compreendermos esse universo com tantos questionamentos, mas que ao mesmo tempo também nos apresentam soluções de encaminhamentos e compreensões que são elaboradas e encaminhadas pelas próprias crianças. E Maria Traça começou a escrever sua história assim, ela também sabia muitas coisas e também precisa compreender tantas outras e dessa forma fomos construindo essa história. Ela busca trazer comportamentos desse universo infantil... esse seu jeito de chamar por sua mãe quando necessita obter alguma autorização quase que imediata ou quando deseja reafirmar o que está falando é muito presente no comportamento, por exemplo, das meninas. Elas são assim, gostam de falar, esclarecer, planejar, organizar... e assim como as meninas ela também gosta de se aventurar estar junto com todos e todas... e essa característica segue com ela até os dias atuais... E o projeto precisou chegar ao fim. Mas como seria dar adeus para Maria Traça? E da mesma forma que as crianças ao concluírem seu último ano na Creche Fiocruz - 1º Ano Pré-escolar – começam a viver o que chamamos de ritual de despedida, meu projeto também contemplou esse momento e assim Maria Traça também contou para seus amigos da creche que iria mudar de escola, iria mudar de casa e que não estariam se vendo como antes, mas que ela estava muito feliz por saber que estava levando consigo muitos amigos e muitas lembranças dos momentos vividos com cada um deles na Creche Fiocruz.


AC: Como surgiu a ideia das peças on-line? O teatro já era um recurso didático muito utilizado pela Creche? Como foi transportá-lo para o campo virtual?


AV: Elas começaram a surgir a partir da experiência dos vídeos para os Instagram da Creche Fiocruz, com a pandemia. Nesse espaço começamos a experimentar a realização de encenações teatrais, porém gravadas – distribuíamos as falas para cada personagem e, após recebê-las encaminhávamos para a montagem final e os atores só viam quando estava pronto – uma experiência incrível, mas ainda sentíamos falta de uma troca mais viva, sabe?! Do olho no olho. E começamos a cogitar a possibilidade de uma dramatização ao vivo. Foi aí que recebemos uma valiosíssima e fundamental orientação e apoio – dos trabalhadores da Cogepe – nossos amigos dos tempos do presencial e que não nos abandonaram. E com toda a orientação e suporte técnico e afetivo também – somos afeto, e é muito bom poder falar disso – consigo dar vida a nossa primeira encenação on-line, pois a experiência do teatro já exista na Creche Fiocruz em momentos nos quais companhias teatrais faziam suas apresentações, tantas outras eram dramatizadas pelos trabalhadores da Creche e até mesmo pelas crianças do segmento do 1º Ano Pré-escolar. Para os demais segmentos sempre buscamos diversas formas de se experimentar a arte, de se fazer teatro. E hoje podemos dizer que transportar a linguagem teatral da Creche Fiocruz tão permeada de toques, olhares, trocas constante com o público que nos assistiam... foi um grande desafio. Que estranho não poder ver os olhares, e expressões, não ouvir os aplausos e gargalhadas... como faríamos para sentir a presença tão importante de todos para que essa energia que sempre foi tão valiosa? Até que percebemos que o chat, de alguma forma, poderia nos fazer sentir esse calor tão acolhedor. E como é bom poder ler cada mensagem do chat em cada uma de nossas apresentações, como é bom poder ver os registos fotográficos que cada trabalhador põe no grupo de trabalho aguardando a hora do espetáculo.


AC: Complementando um pouco a questão anterior, como essa estratégia lúdica, do uso do teatro, pode compor a gama de atividades pedagógicas da Creche? Vocês conseguem “dialogar” com todas as faixas etárias existentes na creche nas peças do YouTube?


AV: Hoje podemos dizer que conseguimos viver o antes, durante e depois das apresentações teatrais com e para as crianças. Juntos, descobrimos que tem sido muito possível dialogarmos pedagogicamente sobre essa produção artística, as crianças “vão” para o teatro, no dia da apresentação, sabendo um pouco do que se trata. Nesta última apresentação (Uma História de Pingos de Chuva, exibida em 20/8/2021) ousamos mais: as crianças confeccionaram, a partir das intencionalidades pedagógicas dos professores e a partir dos objetivos do currículo de cada segmento, alguns adereços da peça. E sabiam que esses itens iriam aparecer na apresentação, como a carta do Chuveiro para a Sereia e o Ovo Bonifácio. Assim como também temos a possibilidade de troca após a apresentação e falamos sobre cada personagem, suas características, apresentamos as fotos dos mesmos e cada criança tem a oportunidade de registrar graficamente cada um deles, transformando essa experiência, após a apresentação no YouTube em murais integrados da peça, possibilitando que cada professor planeje suas ações a partir desse recurso pedagógico, dando a complexidade inerente a cada faixa etária e assim conseguimos sim dialogar com todas as faixas etárias que estão tendo atividades no presencial neste momento.


AC: Como você também comentou anteriormente, o chat fica em festa nos dias de apresentação. Qual tem sido o retorno dos responsáveis, das próprias crianças e dos colegas?


AV: Tem sido incrível poder olhar para o chat, quanto carinho traduzido em cada mensagem está contido ali. Recebemos muitos retornos das crianças, uns sinalizam até os seus responsáveis falam de alguns personagens. Observamos que esses momentos de troca também têm possibilitado às crianças que não assistiram no dia que o façam depois, com relatos do tipo: “não assisti ainda, mas vou falar com minha para colocar na televisão...” e no dia seguinte esse retorno chega até os professores. Esse retorno também vem em momentos de atendimentos virtuais pelas famílias e também pelos trabalhadores da Creche. E são essas manifestações que nos levam a ter certeza de que, mesmo sendo muito trabalhoso, vale muito a pena se envolver nesse projeto, pois não estamos sozinhos nessa construção e ela é nossa!


AC: Para finalizarmos, esse processo de escolha da obra, do elenco e da criação do roteiro concentra-se no professor de teatro ou é coletivo?


AV: Não, ela é de todos nós, tem muito envolvimento nessa construção, até mesmo quando apresentamos sem revelarmos quem viverá cada personagem nas peças, podemos afirmar se tratar de um processo coletivo, integrado, de equipe – da equipe da Creche Fiocruz, das crianças e famílias e da Cogepe, que corajosamente embarcou conosco nesse desafio –. Uma iniciativa desafiadora sim, mas que nos apresenta tantas conquistas, superações e encantamentos, que se traduz em uma relação de confiança e companheirismo, por isso a todos vocês, o nosso muito obrigada!


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