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Inspiração

Foto do escritor: Ascom/CogepeAscom/Cogepe

Em algum momento, o cronista ou aspirante a cronista que se preze escreve sobre a inspiração, ou melhor, a falta dela. Este encontro é inevitável, intrínseco ao gênero legitimamente brasileiro. Nem sempre ela, a inspiração, segue lado a lado ao escritor como companheira leal. A inspiração apronta das suas. Some sem avisar, volta tarde, vai comprar cigarros na esquina e deixa o cronista a esperar no portão de acesso à casa vazia… de inspiração.


Se a inspiração falta em momentos de rompimento repentino, as palavras não se fazem ausentes. Elas estão todas lá no éter gramatical, em compasso de espera do momento oportuno de serem colhidas e acomodadas no texto. Ao contrário do cronista - dependente, adicto de inspiração, as palavras são independentes, andam ao sabor da liberdade de canetas e teclados, flertam com todos que lhes dêem condição frasal. As palavras reconhecem de longe o cronista sem inspiração. Ignoram seu sofrimento solitário, literário. Não se compadecem do momento de frustração, mas estarão disponíveis quando ele recuperar a confiança, a inspiração.


A falta de inspiração acontece ao cessar do vento que carrega até os ouvidos retalhos de conversas privadas em praças públicas; quando da janela vê-se tão somente o translúcido monótono e sem assunto da paisagem urbana; no momento em que os olhos somente contam dedos dispostos a um metro do rosto, em visão subnormal, incapazes de enxergar histórias que cruzam o caminho prontas para serem compartilhadas. A falta de inspiração sufoca, afoga, é a garrafa vazia em meio ao deserto de ideias.


Ao ver-se derrotado diante da página em branco, dedos paralisados, pensamento interrompido, o cronista busca na falta de inspiração uma saída digna. Ele vira o jogo. O texto, frase a frase, ganha corpo, lógica, enredo. O cronista domina a situação. A inspiração (ou a falta de…) é elevada ao papel de protagonista, ingressa no rol de personagens de que antes era a criadora. O dia está salvo. A crônica está pronta. Basta agora esperar aliviado o retorno da inspiração. Eduardo Müller

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